domingo, 29 de agosto de 2010

Mosaico

Quase todos os dias a minha vida é como aquela música do Chico Buarque, “Cotidiano”, não que eu tenha alguém pra me acordar (esta função cabe ao alarme do meu celular) e que tenha a “boca de hortelã e de feijão”, mas todo dia me vejo enredado em uma incessante rotina. Não que eu seja o único, creio que sou eu e mais alguns bons milhões de pessoasgeralpontocom. Porém o que me impressiona não é fazer tudo sempre igual, mas é perceber quantas pessoas diferentes eu sou ordinariamente. Acompanhe-me por um dia qualquer de serviço.
Acordo às 6 e meia, levanta-se então a minha primeira versão do dia – Igor- modelo - Robert Smith (pra quem não se lembra Robert Smith é o vocalista daquela banda The Cure, que canta: “booooooooooys don`t cry” – banda fantástica, por sinal), cabelo pra cima, cara amassada e alto nível de depressão por ter que acordar cedo pra ir para o hospital (primeiro momento de crise existencial do dia). Inicia-se o round 1: banho rapidamente, me visto, não tomo café e saio correndo no carro escutando “ Acorde e Recorde”da rádio 96 (se eu tiver sorte o locutor resolve tocar músicas, em vez de ficar mandando abraços), nessa hora já esqueci das minhas angustias matinais porque tenho que correr pra assinar meu ponto (sempre orando pra não haver um engarrafamento).
Entra em ação o Igor 2, modelo fisioterapeuta (é o jeito). A vida no hospital é uma vida que dependendo do dia pode ser bastante complicada, mas – depois de assinar o ponto – sempre sinto um cansaço da correria da alvorada (segundo momento de crise existencial do dia), às vezes tomo café por lá perto e às vezes não dá tempo pra respirar. Mas sempre fico pensando na hora de voltar pra casa ou no tanto de coisa que ainda tenho pra fazer. Opa! Chegou a hora do almoço! Corro pra casa, como rapidinho, digo para minha irmãzinha que pela milésima vez não posso levá-la pra escola, banho,assisto um pouco do programa de esporte (reage Flamengo!) , arrumo as coisas e roupa para faculdade, descanso um pouquinho e volto pro hospital! Tensão! Tensão! Engarrafamento! Ouço “Pânico” para não estressar e oro novamente para não atrasar (ultimamente Deus, além de ser pai, tem sido guarda de trânsito também). Chego novamente no hospital, um olho nos pacientes e o outro em um livro de Direito e fico na expectativa de ir para faculdade (incrível, mas a faculdade é a melhor hora do dia).
18 horas! Troca de roupa e corre para faculdade, outro Igor! Round 3: “lídeeeeeeeeeer, o ar condicionado tá quebrado” (terceiro momento de crise existencial do dia) e lá vai Iguinho atrás do rapaz da manutenção!Acontece a aula e eu só com o almoço na barriga (não se preocupem comigo, infelizmente, tenho bastante reserva na barriga). 10 e meia da noite e volto pra casa ouvindo Rádio Universidade – ainda no pique. Chego, vejo a minha mãe pela primeira vez no dia, converso um pouco com ela, enquanto ela trabalha no computador, banho, janto, vejo TV, mexo na internet, estudo, tudo junto e ao mesmo tempo!
E é nesta hora, depois de tudo isso, no silêncio do inicio da madrugada que eu paro e penso: “mas afinal, de tantas pessoas que eu fui em um só dia, quem realmente eu sou?” (quarto momento de crise existencial do dia). Por força da vida, a gente é obrigado a interpretar vários personagens todos os dias, alguns a gente realmente gosta e outros a obrigado a ser, mas será que no final nós somos só esse mosaico ou ainda há uma pessoa por inteiro, uma pessoa interior que é só nossa?
Claro que contei só uma parte do meu dia, aquela que é mais estressante... Porém, entremeada a tudo isso, ainda há a parte que vale muito a pena: os bons amigos do serviço, os excelentes amigos da faculdade e da vida, as boas músicas que ouço no meu carro, as boas leituras que faço, os bons filmes que assisto, a Lua que observo quando volto pra casa e os rostos mais que queridos dos meus familiares. Talvez estas coisas boas sejam a cola que gruda o mosaico da minha vida, assim eu consigo olhar pra dentro e ver que eu sou muito mais que um conjunto de representações. Ou como dizia Ferreira Gullar: “como dois e dois são quatro, sei que a vida vale à pena, mesmo que o pão seja caro e a liberdade pequena”!!!!

Um comentário:

  1. Dia cansativo = Texto muito bom.
    Com certeza, as pessoas são a melhor parte do nosso dia. Conhecidas ou não, sempre fazem o contraponto desse "mosaico" que somos.
    Ah... A música também é imprescindível. Sem trilha sonora não dá, né!?!?!

    Um abraço.

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