quinta-feira, 17 de maio de 2012

A água implícita, o beijo tácito e a sede infinita... Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre, e até de olhos vidrados, amar? Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar? amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? Amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante, e amar o inóspito, o áspero, um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor à procura medrosa, paciente, de mais e mais amor. Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa, amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita. (Carlos Drummond de Andrade)
Oi blog, quantos anos, na falta de tempo pra escrever eu mesmo...posto o que de melhor já foi escrito: TABACARIA Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?), Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida. Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu. Estou hoje dividido entre a lealdade que devo À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro. Falhei em tudo. Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. A aprendizagem que me deram, Desci dela pela janela das traseiras da casa. Fui até ao campo com grandes propósitos. Mas lá encontrei só ervas e árvores, E quando havia gente era igual à outra. Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar? Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? Ser o que penso? Mas penso tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! Gênio? Neste momento Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu, E a história não marcará, quem sabe?, nem um, Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras. Não, não creio em mim. Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas! Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo? Não, nem em mim... Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando? Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas - Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -, E quem sabe se realizáveis, Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente? O mundo é para quem nasce para o conquistar E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão. Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez. Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo, Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu. Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda, Ainda que não more nela; Serei sempre o que não nasceu para isso; Serei sempre só o que tinha qualidades; Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta, E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira, E ouviu a voz de Deus num poço tapado. Crer em mim? Não, nem em nada. Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo, E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha. Escravos cardíacos das estrelas, Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama; Mas acordamos e ele é opaco, Levantamo-nos e ele é alheio, Saímos de casa e ele é a terra inteira, Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido. (Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. Come, pequena suja, come! Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.) Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei A caligrafia rápida destes versos, Pórtico partido para o Impossível. Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas, Nobre ao menos no gesto largo com que atiro A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas, E fico em casa sem camisa. (Tu que consolas, que não existes e por isso consolas, Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva, Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta, Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida, Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua, Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais, Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê - Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire! Meu coração é um balde despejado. Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco A mim mesmo e não encontro nada. Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta. Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam, Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam, Vejo os cães que também existem, E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo, E tudo isto é estrangeiro, como tudo.) Vivi, estudei, amei e até cri, E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu. Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira, E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso); Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente Fiz de mim o que não soube E o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, Estava pegada à cara. Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido. Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. Deitei fora a máscara e dormi no vestiário Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo E vou escrever esta história para provar que sou sublime. Essência musical dos meus versos inúteis, Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse, E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte, Calcando aos pés a consciência de estar existindo, Como um tapete em que um bêbado tropeça Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada. Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta. Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada E com o desconforto da alma mal-entendendo. Ele morrerá e eu morrerei. Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos. A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também. Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta, E a língua em que foram escritos os versos. Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu. Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra, Sempre o impossível tão estúpido como o real, Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície, Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra. Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?) E a realidade plausível cai de repente em cima de mim. Semiergo-me enérgico, convencido, humano, E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário. Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos. Sigo o fumo como uma rota própria, E gozo, num momento sensitivo e competente, A libertação de todas as especulações E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto. Depois deito-me para trás na cadeira E continuo fumando. Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando. (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira Talvez fosse feliz.) Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela. O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?). Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica. (O Dono da Tabacaria chegou à porta.) Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me. Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

10 músicas para se ouvir dirigindo

No espírito do livro "Alta Fidelidade" e do programa Top Top inauguro a sessão "Dez músicas para se ouvir". Iniciando com 10 músicas para se ouvir dirigindo. Vamos em ordem crescente:

10. Saber amar (Paralamas do sucesso): letra bonita e belos acompanhamentos em piano e saxofone

9. Construção (Chico Buarque): dirigir é um bom momento pra se prestar atenção na melhor letra já escrita neste país

8. Smile like you meant it (The Killers): Killers rocks!!!

7. Faithful (Brooke Fraser): Pra quem não conhece aí vai a dica, cantora fantástica e letras profundas!

6. Grey room (Damien Rice): Triste mais belíssimo

5. Stay in these roads (A-ha): Sim!A-ha! Tá aí uma banda que, na minha opinião, é pouco valorizada! Música pra escutar de noitona, com uma Lua! Cuidado pra não enfiar o pé no acelerador!

4. Miss Sarajevo (U2 e Luciano Pavarotti): Música linda, a parte que o Pavarotti é perfeita! Um libelo pela paz (como o que o U2 faz!)

3. London, London (Caetano Veloso): Me lembra os passeios de carro que eu fazia com o meu pai na infância

2. There`s a light that never goes out (The Smiths): The Smiths era uma banda maravilhosa e Morrisey é um compositor muito dramático!

1. The River (Bruce Springsteen): Uma informação inútil...foi feita uma pesquisa nos EUA (coisa de americano mesmo), perguntando-se quem era o artista que fazia as pessoas dirigirem correndo mais, deu Springsteen fácil, fácil! Música perfeita para se ouvir em uma viagem de busão (eu garanto!!!)

Agora, experimente aí a minha lista e diga se eu estou certo ou errado!!! Ah, pode comentar se você acha que faltou alguma música na lista!

domingo, 29 de agosto de 2010

Mosaico

Quase todos os dias a minha vida é como aquela música do Chico Buarque, “Cotidiano”, não que eu tenha alguém pra me acordar (esta função cabe ao alarme do meu celular) e que tenha a “boca de hortelã e de feijão”, mas todo dia me vejo enredado em uma incessante rotina. Não que eu seja o único, creio que sou eu e mais alguns bons milhões de pessoasgeralpontocom. Porém o que me impressiona não é fazer tudo sempre igual, mas é perceber quantas pessoas diferentes eu sou ordinariamente. Acompanhe-me por um dia qualquer de serviço.
Acordo às 6 e meia, levanta-se então a minha primeira versão do dia – Igor- modelo - Robert Smith (pra quem não se lembra Robert Smith é o vocalista daquela banda The Cure, que canta: “booooooooooys don`t cry” – banda fantástica, por sinal), cabelo pra cima, cara amassada e alto nível de depressão por ter que acordar cedo pra ir para o hospital (primeiro momento de crise existencial do dia). Inicia-se o round 1: banho rapidamente, me visto, não tomo café e saio correndo no carro escutando “ Acorde e Recorde”da rádio 96 (se eu tiver sorte o locutor resolve tocar músicas, em vez de ficar mandando abraços), nessa hora já esqueci das minhas angustias matinais porque tenho que correr pra assinar meu ponto (sempre orando pra não haver um engarrafamento).
Entra em ação o Igor 2, modelo fisioterapeuta (é o jeito). A vida no hospital é uma vida que dependendo do dia pode ser bastante complicada, mas – depois de assinar o ponto – sempre sinto um cansaço da correria da alvorada (segundo momento de crise existencial do dia), às vezes tomo café por lá perto e às vezes não dá tempo pra respirar. Mas sempre fico pensando na hora de voltar pra casa ou no tanto de coisa que ainda tenho pra fazer. Opa! Chegou a hora do almoço! Corro pra casa, como rapidinho, digo para minha irmãzinha que pela milésima vez não posso levá-la pra escola, banho,assisto um pouco do programa de esporte (reage Flamengo!) , arrumo as coisas e roupa para faculdade, descanso um pouquinho e volto pro hospital! Tensão! Tensão! Engarrafamento! Ouço “Pânico” para não estressar e oro novamente para não atrasar (ultimamente Deus, além de ser pai, tem sido guarda de trânsito também). Chego novamente no hospital, um olho nos pacientes e o outro em um livro de Direito e fico na expectativa de ir para faculdade (incrível, mas a faculdade é a melhor hora do dia).
18 horas! Troca de roupa e corre para faculdade, outro Igor! Round 3: “lídeeeeeeeeeer, o ar condicionado tá quebrado” (terceiro momento de crise existencial do dia) e lá vai Iguinho atrás do rapaz da manutenção!Acontece a aula e eu só com o almoço na barriga (não se preocupem comigo, infelizmente, tenho bastante reserva na barriga). 10 e meia da noite e volto pra casa ouvindo Rádio Universidade – ainda no pique. Chego, vejo a minha mãe pela primeira vez no dia, converso um pouco com ela, enquanto ela trabalha no computador, banho, janto, vejo TV, mexo na internet, estudo, tudo junto e ao mesmo tempo!
E é nesta hora, depois de tudo isso, no silêncio do inicio da madrugada que eu paro e penso: “mas afinal, de tantas pessoas que eu fui em um só dia, quem realmente eu sou?” (quarto momento de crise existencial do dia). Por força da vida, a gente é obrigado a interpretar vários personagens todos os dias, alguns a gente realmente gosta e outros a obrigado a ser, mas será que no final nós somos só esse mosaico ou ainda há uma pessoa por inteiro, uma pessoa interior que é só nossa?
Claro que contei só uma parte do meu dia, aquela que é mais estressante... Porém, entremeada a tudo isso, ainda há a parte que vale muito a pena: os bons amigos do serviço, os excelentes amigos da faculdade e da vida, as boas músicas que ouço no meu carro, as boas leituras que faço, os bons filmes que assisto, a Lua que observo quando volto pra casa e os rostos mais que queridos dos meus familiares. Talvez estas coisas boas sejam a cola que gruda o mosaico da minha vida, assim eu consigo olhar pra dentro e ver que eu sou muito mais que um conjunto de representações. Ou como dizia Ferreira Gullar: “como dois e dois são quatro, sei que a vida vale à pena, mesmo que o pão seja caro e a liberdade pequena”!!!!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Poema enjoadinho

Não tenho filhos, mas o dia que eu tiver (futuro distante!) provavelmente este se tornará meu poema predileto! Depois dessa semana maluca e atribulada prometo escrever um post meu, para que as poucas almas caridosas que acmpanham este blog possam ler (hehehe):


Filhos...Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como o queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filho? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem xampu
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!


Vinícius de Morais

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Ouvir estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

Olavo Bilac